Aldeia de Santos – Mação

Um moleiro republicano

Posted in História e Geografia by aldeiadesantos on Junho 2, 2013

A pouca distância da aldeia de Vale da Mua, “a dois passos “ da ponte sobre a ribeira do Aziral, para montante, são ainda bem visíveis as ruínas de uma azenha, abafadas por um emaranhado de silvas, que serviu de palco a uma “história”, que adiante contarei. Nos princípios do século XX, as águas da ribeira do Aziral mantinham em laboração contínua quatro azenhas e dois moinhos. Estes “engenhos”, a pouco e pouco foram desaparecendo, mas como diria Camões, a ribeira de “claras e frescas águas de cristal”, coisa rara nos tempos que correm, serpenteando, todo o ano, por entre pedregulhos, nunca foram conspurcadas por qualquer espécie de agente poluidor. Pois bem, foi nesta azenha que nos finais do século XIX, princípios do século XX, o tio Chico Inocêncio desenvolveu a sua actividade de moleiro. Apesar de ser um homem analfabeto, uma tristeza que envolvia as nossas aldeias de então, o tio Inocêncio era dotado de excelentes qualidades, onde não faltavam a perspicácia, a inteligência e a memória. Grande admirador do Dr. Samuel Mendes Mirrado, médico de um humanitarismo sem fim e entusiasta do ideal republicano, o tio Inocêncio cedo se apercebeu que era um exemplo a seguir. Ainda no tempo da monarquia, a azenha do tio Inocêncio tinha uma situação privilegiada no caminho que ligava a vila de Mação á vila do Carvoeiro. Não havia ponte sobre a ribeira, só mais tarde por iniciativa do padre Pequito do Carvoeiro tal obra veio a acontecer, e como tal, não foi difícil que numa das suas deslocações das muitas que o Dr. Samuel foi chamado por doentes, na sua maioria pobres, fez uma pausa na sua caminhada, prendeu o seu cavalo na argola cravada na parede da azenha e dispôs-se a dar “dois dedos de conversa” ao tio Inocêncio. Foi o começo de uma amizade que só viria a terminar em 1933 com a morte do Dr. Samuel. A partir desta primeira visita, o tio Inocêncio passou a ser um republicano dos”quatro costados” e todas as vezes que o Dr. Samuel se deslocava para estas bandas, e eram muitas, a azenha do tio Inocêncio era um ponto obrigatório de paragem. A dada altura, o Dr. Samuel apercebendo-se de tanta lucidez do moleiro proporcionou-lhe algumas visitas a Lisboa para se inteirar, com mais fundamento, das ideias republicanas. Como a sua profissão o obrigava a deslocar-se com frequência  ás freguesias do Carvoeiro e dos Envendos, não lhe foi difícil transformar a sua azenha num pequeno “pólo” da divulgação das ideias republicanas. Passou a receber algumas revistas e jornais, mas como não sabia ler, sempre que tinha oportunidade deslocava-se á aldeia dos Santos onde o seu grande amigo, o professor Luís Aniceto da Silva, apesar de professar ideias monárquicas, lhe lia os assuntos que mais lhe interessavam. O professor ficava bastante admirado pois no final da leitura o tio Inocêncio tinha retido na sua memória, até ao mais pequeno pormenor, o que acabava de escutar. Não se conformava com tanto analfabetismo nas nossas aldeias pois como dizia, “o estudo é só para gente rica”. Teve alguma influência na construção das escolas das aldeias de Santos e do Vale de Grou.  O seu grande entusiasmo para que cada vez mais houvesse pessoas a saber “escrever, ler e contar” está bem demonstrado na seguinte passagem: Por volta da segunda década do século passado, em que o Dr. Samuel era administrador do concelho de Mação, mas continuando a ser “médico dos pobres”, a dada altura numa das suas visitas á freguesia do Carvoeiro, passou pela azenha e teve esta expressão: “Oh Inocêncio,  parece que chegou a ocasião de nos vermos livres do monárquico professor Aniceto da Silva”. A resposta não se fez esperar: “Oh senhor doutor não pense em fazer tal coisa, o que nós precisamos é de muitos Anicetos da Silva”.  A descendência do tio Inocêncio espalhou-se pelas aldeias de Santos e do Vale da Mua.

 

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